Para a CBF, queda de Dilma representa “ponte para o futuro”


Artigo publicado originalmente no site Doentes por Futebol (Foto: Reprodução)

Já é concreto: por 180 dias, a presidenta eleita Dilma Rousseff desocupa seu cargo. É removida para dar lugar a Michel Temer. Sua saída significa uma catarse para os setores da sociedade que tanto sonharam com esse momento, assim como provoca um profundo suspiro de alívio entre as dezenas de parlamentares investigados que promoveram sua queda. É bem provável, no entanto, que a maior festa pela interrupção do governo da petista esteja ocorrendo bem distante de Brasília. Mais precisamente, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

Se nos últimos tempos tinha alguma coisa faltando na faraônica sede da Confederação Brasileira de Futebol, era notícia boa. Atolada em escândalos internacionais e investigada por uma CPI no Senado, a entidade vinha vivendo os anos mais tempestuosos de sua história, marcados por renúncias e prisões de seus principais dirigentes. Nesta quinta-feira, porém, eles acordam com um sorriso estampado no rosto, após a queda de quem vinha se mostrando, senão uma inimiga, alguém nem um pouco interessada em fazer concessões.

Entre os tantos erros do governo Dilma Rousseff, seu grande acerto talvez tenha sido justamente essse distanciamento em relação à cúpula da CBF. A presidenta nunca mostrou qualquer simpatia às figuras que chefiaram a entidade durante seu mandato. Mas as inúmeras saias justas e divergências pessoais certamente não foram o motivo maior dos festejos no suntuoso Edf. José Maria Marin. A razão maior da alegria certamente é a esperança de dias mais tranquilos: se não dá para ter um refresco com o pessoal do FBI, o cenário doméstico se desenha muito mais favorável com a definição do impeachment.

Entreveros

Isso porque em mais de uma ocasião, a presidenta fez questão de se posicionar abertamente em campo oposto ao de Teixeira, Marin e Del Nero. Também não hesitou em acenar com medidas que enfraqueceriam bastante o poder da CBF. Por exemplo, lançou o nome de Ronaldo para a presidência do Comitê Organizador Local do Mundial de 2014. Depois, tentou garantir o refinanciamento de dívidas fiscais dos clubes somente para aqueles filiados a uma entidade que proibisse mais de uma reeleição – no que recebeu uma violenta patada do vice-presidente cebeefiano, Delfim Peixoto. Quando vieram à tona as investigações que levaram Marin para a prisão, Dilma não moveu uma palha para evitar que o dirigente fosse extraditado aos Estados Unidos, onde segue detido. Esses eventos serviram para criar um ambiente de pouco diálogo, que manteve a confederação em isolamento durante seu período de maior vulnerabilidade política, sobretudo após o 7 a 1.

Só que aí veio o estouro da crise. Logo depois, a abertura do processo de impedimento da presidenta eleita. Diante disso, salvo poucas exceções, os principais veículos de imprensa do país adotaram um jornalismo quase que monotemático: todos os demais assuntos perderam a relevância ante a perspectiva da queda de Dilma. Para as raposas da CBF, foi o momento perfeito de agir.

Após três meses afastado da presidência da entidade, Marco Polo Del Nero reassumiu o cargo no último dia 12, como quem não quer nada. Uma semana antes, o dirigente já havia driblado uma convocação para depor na CPI do Futebol, se valendo da sistemática sabotagem sobre a comissão. Uma prática que fez o senador Randolfe Rodrigues ser taxativo ao afirmar que o mandatário da CBF tem mais poder do que Dilma no Congresso Nacional. “Ele consegue barrar uma medida provisória editada pelo Executivo”, declarou ao UOL Esporte.

Bancada na boa

Enquanto a CPI do Futebol vive esvaziada, sem quórum para proceder suas investigações, a Comissão do Impeachment atravessou meses de trabalho intenso na Câmara. E nela, alguns dos nomes de maior destaque foram justamente deputados conhecidos por fazer parte da chamada “Bancada da Bola”: reunião dos parlamentares que costuma se posicionar a serviço dos interesses da CBF. Dos oito membros desse grupo, seis participaram da comissão – cinco deles, a favor da admissibilidade do impedimento, enquanto só Vicente Cândido, do PT-SP e sócio de Del Nero, foi contrário.

Dois desses parlamentares tiveram papel especial nos trabalhos da comissão. Jovair Arantes, do PTB-GO e vice-presidente do Atlético Goianiense, foi o relator. E o mineiro Marcelo Aro, do PHS e diretor de Ética e Transparência da CBF (sim, esse órgão existe), foi protagonista em boa parte das sessões com discursos inflamados, sempre atacando a presidenta e pregando as boas práticas na gestão pública. Ambos foram personagens importantes para a aprovação do relatório que, posteriormente, seria votado e encaminhado ao Senado. Por isso, os dois chegam fortalecidos – assim como a entidade que costumam representar – ao interino Governo Temer que se inicia.

Mas a situação da CBF não é melhor só por conta da atuação de Aro e Arantes. Entre os oito deputados da Bancada da Bola, apenas Vicente Cândido estará na oposição durante esse governo interino. Todos os outros sete são membros de partidos que apoiaram o impeachment da presidenta eleita e, portanto, terão ainda mais trânsito para seguir defendendo a entidade e seus dirigentes enquanto Temer for o presidente – até porque ele próprio sempre foi muito receptivo à causa cebeefiana.

Sem escalas

Em 2013, Michel Temer visitou José Maria Marin, então presidente da CBF, em sua residência. O encontro foi noticiado pelo site da entidade como se “um aliado de peso” tivesse sido conquistado, um interlocutor (enfim!) dentro do Poder Executivo. “Amigos há mais de três décadas”, conforme ressaltado pela matéria, os dois discutiram temas relativos à organização da Copa do Mundo, mas também selaram um pacto para que o então vice-presidente brasileiro tratasse de assuntos institucionais da confederação, de quem ele se colocou como representante junto ao Governo.

Dois anos depois, o canal entre CBF e Presidência da República agora é direto. No Poder Legislativo, a entidade está ainda mais influente, contando com uma tropa de parlamentares mais fortalecidos do que nunca. Com toda essa blindagem política, fica bem mais fácil a vida dos dirigentes que, para evitar investigações, seguirão usando como alegação a natureza privada da confederação. Argumento que pode servir para frear a ação de uma Justiça pouco interessada, mas que continuará sendo pura falácia ante o caráter público do bem cultural imaterial que é o esporte mais popular do país.

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